Entrevista - Michel Odent - Um obstetra à frente do seu tempo

 

Por Ana Lúcia Prôa

Este obstetra francês é a maior autoridade no mundo em parto humanizado. Ele viaja quase o ano inteiro por diferentes países, mostrando que é possível diminuir as taxas de cesarianas e realizar nascimentos mais naturais. No final de abril, o Dr. Michel Odent esteve no Brasil para realizar palestras e lançar o livro O Camponês e a Parteira. E ele concedeu uma entrevista à Seu Filho e Você, repleta de pontos ainda polêmicos para nós, brasileiros, mas que representa o futuro dos partos em todo o mundo. Ele fala, por exemplo, que o nascimento pode determinar o futuro da determinar é muito forte influenciar o futuro, ou é um fator de risco criança (levando à criminalidade, à dependência de drogas, etc.) e que existe a depressão pós-parto masculina. Leia a seguir e entenda as razões deste renomado cientista. 

Quando você pensa em algum obstetra francês que tenha revolucionado o nascimento, o nome de Fréderick Leboyer deve logo vir à sua cabeça, não é mesmo? De fato, este médico foi o primeiro a mostrar às pessoas que os bebês deveriam ser trazidos ao mundo num ambiente mais harmônico e respeitoso. Porém, ele via o parto apenas do ponto de vista do recém-nascido. E quanto à mulher?

Foi outro obstetra francês quem iniciou a discussão em cima da necessidade de se promover partos nos quais a parturiente seria a dona de seu próprio corpo. Seu nome? Michel Odent. Hoje, ele é considerado a maior autoridade no mundo em parto humanizado. E não é à toa: o médico ficou famoso por introduzir conceitos revolucionários, como salas de parto com aspecto de lares e piscinas para nascimentos em hospitais públicos – aliás, foi ele quem desenvolveu o método de parto na água.

O seu trabalho inovador foi iniciado nos anos 60 e 70, no Hospital Pithiviers, na França, onde ele – acompanhado por seis parteiras – realizou cerca de mil partos por ano, atingindo estatísticas ideais de baixíssimas intervenções. Após sua carreira no hospital, o obstetra passou a se dedicar a partos domiciliares. Paralelamente, se tornou um pesquisador de primeira, já tendo publicado 50 trabalhos científicos. E fundou o Primal Health Research Center (Centro de Pesquisa em Saúde Primal), em Londres – cidade em que mora atualmente –, onde realiza estudos sobre a concepção até o primeiro ano de vida do bebê. A maioria delas focando na influência que o tipo de nascimento pode ter nos homens a longo prazo. Para ele, o parto é um momento decisivo para a saúde mental e física do bebê para toda a vida.

Hoje, o Dr. Michel Odent dedica o ano inteiro ao trabalho: ele passa a maior parte do tempo viajando (divulgando o seu trabalho no mundo todo) e nos meses mais quentes frios fica em Londres, realizando pesquisas, fazendo alguns partos domiciliares e escrevendo novos livros. A sua vinda ao Brasil se deveu, justamente, ao lançamento de seu 11º livro: O Camponês e a Parteira – Uma Alternativa à Industrialização da Agricultura e do Parto (Editora Ground). Leia a seguir, portanto, algumas idéias contidas na mente brilhante deste obstetra. No entanto, deve-se levar em consideração que elas representam uma forma totalmente diferente da obstetrícia que é praticada atualmente no Brasil. Porém, segundo o especialista, é a forma ideal de a mulher dar à luz, a qual ele acredita que vá dominar o mundo neste terceiro milênio. ( Ana talvez aqui você pudesee dizer que já existem algumas experiências no Brasil o parto domiciliar planejado e as casas de parto trabalham na linha do Odent é já existem no Brasil.)

 

SFV – Que tipo de comparação o senhor faz, no livro, entre a industrialização da agricultura e o parto?

MO – Eu faço uma comparação histórica entre a industrialização do campo e o parto, porque os dois se desenvolverem muito durante o século 20, e com muitas similaridades entre as sbuas histórias. Quando uma nova tecnologia é introduzida, primeiro há uma reação de entusiasmo, porque todo mundo percebe as vantagens. Mas depois de algum tempo existe uma consciência da preocupação que isso traz. E foi o que aconteceu no final do século passado com a industrialização da agricultura, que, de repente, começou a crescer mais rapidamente. E com isso ocorreram desastres, como o mal da vaca louca e a febre aftosa. A partir daí, teve início uma nova consciência e a atitude das pessoas mudou. Todo mundo passou a querer comer alimentos orgânicos.

A história da obstetrícia ainda não chegou a essa fase. Mas eu levanto a questão: qual o desastre que nós estamos esperando? Porém, eu sugiro que esses desastres já estão acontecendo, só que nós não queremos olhar para eles e nem ligá-los às suas causas reais. Já existem muitos estudos mostrando que a forma como nascemos provoca conseqüências a longo prazo. Durante o trabalho de parto, existem fatores de risco para determinadas doenças ou comportamentos que são muito mais comuns hoje do que no passado. Como, por exemplo, a criminalidade juvenil, o suicídio de adolescentes, a anorexia nervosa, a dependência de drogas, o autismo... Todas estas questões estão ligadas a uma incapacidade de amar a si mesmo ou ao próximo.

 

De que forma o tipo de parto levaria a problemas como abuso de drogas, criminalidade, etc.?

Para responder a esta pergunta, devo começar falando dos efeitos positivos do parto em condições fisiológicas, para entendermos, então, o que acontece quando se atrapalha esse momento do parto. Há muitos estudos hoje sugerindo que imediatamente após o nascimento existe um pequeno período de tempo que nunca mais vai acontecer, que é essencial para a criação do vínculo entre a mãe e o bebê. Em outras palavras, podemos dizer que este é o desenvolvimento da capacidade de amar. Então, se este curto período de tempo for perturbado, vai trazer conseqüências irreversíveis a longo prazo.

Além disso, agora já se sabe dos efeitos comportamentais em relação aos hormônios que são liberados durante o parto. Quando uma mulher dá à luz, na hora de receber o bebê ela tem que liberar um complexo coquetel de hormônios do amor. E esse momento também não pode ser perturbado. Até recentemente, o amor era um assunto apenas para poetas, filósofos, romancistas. Mas hoje ele está sendo estudado por múltiplas abordagens científicas. E a conclusão final que podemos ter é que ele é importante no período do parto, caso contrário poderá trazer estas tristes conseqüências a longo prazo.

 

E como se perturba este momento fisiológico do parto, a ponto de atrapalhar a liberação dos hormônios do amor?

A melhor maneira de se entender como se atrapalha o processo do nascimento é usar a linguagem dos fisiologistas para explicar as necessidades básicas da mulher em trabalho de parto. Quando uma mulher está tendo um bebê, ela precisa liberar um certo número de hormônios. E todos eles são originados nas partes primitivas e mais profundas do cérebro (comuns a todos os mamíferos), chamadas de hipotálamo, glândula pituitária, etc. Já quando existe qualquer tipo de inibições durante o processo de parto, elas vêm de outra área do cérebro: uma nova parte, mais atual, que é muito desenvolvida apenas nos homens. É o chamado neocórtex.

Depois que se entende isso, é fácil interpretar um fenômeno muito conhecido por um grande número de parteiras profissionais: quando uma mulher está em trabalho de parto, se está indo tudo bem, existe um período de tempo em que ela começa a cortar sua ligação com este mundo atual e esquece tudo o que está acontecendo à sua volta, fica nas posições mais inesperadas, perde o controle da respiração, faz coisas que ela nunca faria em sua vida rotineira, como gritar, falar palavrões... É como se ela estivesse em outro planeta. Quando isso acontece, quer dizer que ela está reduzindo a atividade do neocórtex.

Por isso, a mulher em trabalho de parto precisa ser protegida de qualquer estimulação do neocórtex. O que isso significa na prática? Ele pode, por exemplo, ser estimulado pela linguagem. Assim, temos que ter muito cuidado ao conversar com a parturiente. Em geral, é muito melhor ficarmos calados, manter o silêncio e não fazer muitas perguntas. Nos modernos hospitais, esta necessidade não é respeitada. As mulheres são constantemente perguntadas, pelos membros da equipe, sobre uma serie de questões durante o trabalho de parto. Mesmo no movimento de parto natural, este ponto não é bem entendido. Muitas parteiras falam demais! Elas não percebem que esta é uma maneira de tornar o parto mais longo e mais difícil.

O neocórtex também pode ser estimulado por luz forte, e isto é amplamente conhecido pelos cientistas. Isso quer dizer que, quando uma mulher está em trabalho de parto, é fundamental usar uma luz baixinha, quase na penumbra. Esta é mais uma necessidade básica que não costuma ser atendida em nosso tempo. Determinadas situações também estimulam o neocórtex, principalmente ao nos sentirmos observados. Quando isso acontece, procuramos logo corrigir nossas atitudes. Isso significa, na prática, a importância da privacidade. Existe uma diferença entre uma pessoa que está acompanhando um trabalho de parto observando a mulher de frente, daquela que está observando do canto da sala.

Isso quer dizer, então, que também temos que tomar cuidado com instrumentos que podem ser percebidas pela mulher como maneiras de ela ser observada. Como, por exemplo, a filmadora e o monitor eletrônico fetal. Estas não são necessidades atendidas no momento atual, inclusive nos movimentos de parto natural. Se você folhear muitos livros sobre parto natural, vai encontrar uma mulher dando à luz com três pessoas à sua volta olhando este parto. Esta é uma mensagem errada. Isso não é privacidade. As necessidades básicas do parto fisiológico têm que ser descobertas, e ainda não foram.

 

Mas, neste panorama do parto natural, onde entra o papel do médico, da parteira, da enfermeira obstetra e da doula (acompanhantes de parto)?

A necessidade básica da mulher em trabalho de parto é se sentir segura. Caso contrário, se ela ficar assustada, irá liberar adrenalina e esta é outra forma de estimulação do neocórtex. Durante todas as fases das sociedades do mundo inteiro, o que as mulheres sempre fizeram para se sentirem seguras na hora do parto era ter por perto a sua mãe. Ou alguém que a substituísse, como uma avó ou uma mãe experiente. Essa é a origem da parteira. A parteira, originalmente, é uma figura materna. A doula também pretende ser uma figura materna. Então, a mulher se sente mais segura se sabe que, à sua volta, existe alguém como a sua mãe. Assim, não vai se sentir observada e julgada.

Dessa maneira, ao oferecermos à parturiente o acompanhamento de alguém parecido com sua mãe, estaremos atendendo a uma necessidade básica dela. E uma das razões de esta necessidade não estar sendo atendida é que nós nos esquecemos do porquê da arte da parteira. Esse não-entendimento é muito comum em países como os Estados Unidos, onde as parteiras desapareceram, mas agora estão ressurgindo, graças a estudos que estão sendo feitos sobre a necessidade delas. Quando nós falamos como fisiologistas, fica fácil explicar por que as necessidades básicas da mulher em trabalho de parto quase nunca são atendidas na nossa sociedade. Então, por que o trabalho de parto é tão difícil? Porque não precisamos de tantas intervenções médicas e cirúrgicas, de tantas drogas...

 

E o papel do pai no parto?

Esta não é uma questão simples, e parece uma adaptação a uma situação absolutamente nova. Um século atrás, quando a maioria das mulheres dava à luz em casa, o parto continuava sendo um assunto de mulher. O pai ficava em algum lugar da casa, em geral fervendo a água. Então, este fenômeno começou nos anos 60, como uma adaptação à industrialização do parto. Realmente, é algo novo no parto.

Nos países onde esse comportamento começou a se desenvolver, 40 anos atrás, alguns teóricos rapidamente estabeleceram dogmas e doutrinas, e passaram a dizer que isso devia ser assim. Por exemplo, eu ouvi dizer, nos anos 70, que a participação do pai no parto criaria vínculos muito fortes no casal. Fiquei esperando, então, que as taxas de divórcio diminuíssem, e isso não aconteceu. Ouvi dizer, também, que a presença do pai era importante por ele ser uma pessoa da família, no meio de tantos estranhos do hospital. Então, graças ao pai, a taxa de cesariana também deveria ter diminuído, e não foi exatamente o que aconteceu.

A primeira questão a ser levantada quanto à presença do pai no parto é: será que isso vai tornar o nascimento mais fácil ou mais difícil? Deve-se levar em conta que existem muitos tipos de homens e muitos tipos de relação, de casamentos. E o que precisamos dar prioridade é ouvir a linguagem não-verbal da mulher em trabalho de parto. Em nossa sociedade, costumamos ouvir as mulheres dizerem, enquanto estão grávidas, que não se imaginam dando à luz sem a presença do marido, que seria impossível para elas. Mas muitas vezes, durante o parto, elas dizem uma coisa diferente, numa linguagem não-verbal. Eu tenho diversas histórias de partos que estavam indo muito devagar e, de repente, por uma razão inesperada, o pai precisava sair de casa e, assim que ele partia, a mulher começava a gritar e o parto evoluía rapidamente. Quando este homem voltava, o bebê já havia nascido. Este é o exemplo típico de que a mulher coloca em prática uma coisa totalmente diferente do que costuma falar por palavras.

Um outro tópico importante nisso é que alguns homens não conseguem lidar facilmente com as fortes reações emocionais que eles podem ter quando suas mulheres estão em trabalho de parto. Principalmente naqueles partos em condições fisiológicas, em que a mulher está dando à luz praticamente sozinha. Não estou falando de um parto em que ela tomou anestesia peridural e está recebendo ocitocina endovenosa. Na minha experiência com partos em casa, muitas vezes eu vi a mesma história: quando visito a família alguns dias depois do parto, encontro a mulher totalmente ativa e feliz com seu bebê, e o marido de cama, com dores nas costas, cólicas renais, gripe forte, etc. Por isso cheguei à conclusão de que existe alguma coisa chamada de depressão pós-parto do homem, que ainda não é reconhecida como tal, embora a maioria dos pais que acompanham suas mulheres dando à luz fisiologicamente apresentem sintomas depois.

Talvez seja por isso que, em muitas sociedades, existem rituais para deixar o homem ocupado enquanto sua mulher está em trabalho de parto. Assim, consegue-se mudar este canal de emoção do homem. E também por que, há um século, o marido passava horas e horas fervendo a água, sem que isso fosse tão necessário. Hoje, em Londres, quando eu acompanho parturientes em casa, muitos casais alugam piscinas de parto portáteis, cuja maior vantagem, a meu ver, é que elas são muito difíceis de serem montadas. Então, o homem fica ocupado durante muitas horas, e na maioria das vezes, quando a piscina está pronta para ser usada, o bebê já nasceu. E, alguns dias depois, o marido está em ótimo estado.(Ana  apesar de saber e lembrar que elçe contou esta historia penso que poderíamos tirar esta parte cuja maior vantagem  pois ele próprio estimula a utilização da picina para alivio da dor e pode ficar confuso para o leitor.

 

Como o senhor vê o Brasil, em relação aos altíssimos índices de cesarianas?

Quando estou dando palestras em países diferentes, eu sempre menciono o Brasil quando quero contrastar situações extremas. Quando quero mostrar países onde há taxas baixas de cesarianas (em torno de 10%), cito Holanda e Japão. E quando quero mencionar países opostos, menciono o Brasil, e algumas vezes China, Coréia do Sul e Itália. Ao fazer esta comparação, tento analisar as razões deste contraste. Acho que isso tem a ver com o número de parteiras, comparado ao número de obstetras. Na maioria dos países onde temos muitas parteiras profissionais, e um pequeno número de obstetras bem treinados (que irão trabalhar apenas nas patologias e nas complicações), as taxas de cesarianas são comparativamente mais baixas. E as estatísticas perinatais são muito boas. Já o Brasil é um país onde há muitos médicos especializados e um número pequeno de parteiras aqui eu colocoria também enfermeiras obstetras ou parteiras profissionais já que esta parteira que ele se refere teve formação nõa é o que entendemos de parteira que para n´os não possuem nenhuma formação, são as parteiras tradicionais.. Então, em países assim, não se age da maneira como realmente se deveria.

 

O que o senhor acha que deve ser feito, no Brasil, para que haja a desmedicalização do parto?

A primeira coisa a se fazer é redescobrir as necessidades básicas da mulher em trabalho de parto. Assim, a desmedicalização do parto vai ser um efeito do melhor entendimento da fisiologia do parto. Ela não pode ser o objetivo principal, e sim uma conseqüência. Inclusive, se a colocamos como um objetivo principal, pode ser perigoso. Isso porque, no contexto da industrialização do parto, muitas mulheres acreditam que não podem dar à luz sem intervenções. E como alguns países atualmente (como a Inglaterra) estão tendo como palavra de ordem reduzir o número de cesarianas, isso está levando a uma maior tendência a se fazer intervenções mais drásticas no parto vaginal. Começa-se, por exemplo, a se utilizar muito mais os partos com fórceps, para não se aumentar o número de cesáreas nas estatísticas. É por isso que a desmedicalização do parto deve ser um efeito do bom entendimento, da boa compreensão da fisiologia do parto. Se você atende as necessidades básicas da mulher, o parto vai acontecer sem intervenções.

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