Dissertação de Mestrado - Parto em Casa: Vivências de Mulheres

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO BIOMÉDICO
FACULDADE DE ENFERMAGEM
COORDENAÇÃO DE ENSINO DE PÓS- GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO “STRICTO SENSU” EM ENFERMAGEM –

Heloisa Ferreira Lessa

Orientador: Dr. Octávio Muniz da Costa Vargens
Rio de Janeiro –RJ 2003



Parte I
Contextualização e Fundamentação do estudo

1. Introdução

Desde adolescente, cultivei o desejo pela enfermagem e em especial pela obstetrícia. A Enfermagem Obstétrica é alvo de meus estudos, desde minha Habilitação em 1983 pela Escola de Enfermagem Anna Nery, da UFRJ.

Iniciei minha atuação profissional na Comunidade da Rocinha-RJ atendendo a crianças e gestantes em seus domicílios. A assistência hospitalar, não me atraía. Diante de um desejo claro de atuar junto a gravidez e ao parto e devido a impossibilidade na época de assistir ao parto, criei, em conjunto à uma equipe medica, um trabalho de acompanhamento da mulher durante todo o processo gravídico, puerperal. Cada mulher era atendida individualmente e em grupo. Os pais também participavam em algumas sessões programadas para este fim. A este trabalho realizado no pré-natal em meu consultório chamávamos de preparação para o parto. Este trabalho se desenvolvia em conjunto com um obstetra, um pediatra e um anestesista. Minha função era acompanhar e assistir a mulher durante o processo da gravidez, parto e pós-parto. Nossa filosofia de trabalho, na época tinha como base os estudos de Moysés Paciornick e Leboyer . Os partos já ocorriam muitas vezes na posição de cócoras e respeitávamos o recém nascido permitindo um ambiente mais aconchegante, sem o ar condicionado, as luzes fortes e estimulávamos o vínculo precoce entre a mãe e o bebê logo após o nascimento.

Em 1991 passei dois meses no Acre numa comunidade de seringueiros, em uma reserva extrativista. Esta experiência me proporcionou a oportunidade de acompanhar de perto os partos da comunidade e conhecer uma cultura onde o parto é vivenciado como parte de um processo natural do ciclo de vida da mulher.

Conhecer o fenômeno1 do parto e nascimento na Amazônia me impulsionou a buscar uma nova compreensão da fisiologia do parto: um entendimento do fenômeno a partir da questão cultural.

Os resultados que vinham sendo obtidos por Odent2 e sua equipe de parteiras eram surpreendentes. Os partos eram mais rápidos e menos dolorosos. As fotos mostravam as mulheres no período expulsivo com um lindo e largo sorriso. A simples oferta de um ambiente diferenciado, que em nada lembrava o ambiente hospitalar era suficiente para que a mulher assumisse outro comportamento durante o trabalho de parto e parto, mais fisiológico e instintivo.

A partir dos estudos que comecei a fazer das idéias de Odent em 1990 minha prática profissional sofreu uma profunda transformação. Se antes atuava como preparadora de gestantes para o parto estes novos conhecimentos adquiridos com Odent (1993), que consideram o lar como ambiente facilitador do encontro da mulher com suas raízes, me serviram de base para começar a assistir a mulher em trabalho de parto no ambiente3 domiciliar.

Tornava-se de suma importância para mim, estudar o fenômeno da parturição a partir do ponto de vista das mulheres de um grande centro urbano que optam por um parto domiciliar planejado, contrariando frontalmente a ideologia urbana vigente. O ingresso no mestrado configurou-se, então, como uma oportunidade de realização deste estudo.

Por estar envolvendo no estudo duas grandes vertentes, as influencias culturais e o ambiente busquei apoiar-me em conceitos desenvolvidos por Madelene Leininger e Margareth Newman. De Leininger adotei as idéias de cultura e influencias culturais.

Na teoria de enfermagem desenvolvida por Newman citada por Chris (1995, p. 279) encontrei a idéia de ambiente como uma visão do fenômeno, uma situação com a qual o indivíduo interage. Ainda a autora nos fala da idéia de ambiente representado como um sistema aberto de energia em interação constante com outros sistemas.

Com base nestas compreensões pude então definir como objeto de estudo a vivência do parto domiciliar e as influências do ambiente neste processo, buscando analisar o grupo sob a ótica de suas características culturais.

Defini como objetivos:

  • Discutir a influência cultural sobre o fenômeno da parturição no grupo estudado.

  • Discutir a existência, para as mulheres, de relação entre ambiente e segurança para o parto.

  • Analisar os significados para as mulheres que vivenciaram o parto domiciliar planejado a partir dos temas: objetos no ambiente, dor, sensação na hora da expulsão, parto e segurança no parto.

Através do estudo e da compreensão destas questões, nesta linha de investigação, acredito estar oferecendo novos dados que possam estimular o parto domiciliar planejado no Brasil como uma opção de escolha. Talvez num futuro não muito distante, o parto domiciliar poderá se tornar uma realidade e uma opção para um maior número de mulheres brasileiras.


partoHeloisa Lessa