O conceito de segurança

Carimbo da placenta

Carimbo da placenta

Capítulo da Dissertação de Mestrado
Parto em Casa: Vivências de Mulheres
Heloisa Ferreira Lessa
Orientador: Dr. Octávio Muniz da Costa Vargens

A gravidez e o parto, mesmo quando a mulher e o bebê estão em excelentes condições de saúde, se tornaram nos dias atuais num evento (1) eminentemente hospitalar.

Segundo Moburg (1984), quando uma mulher decide ter seu parto em casa, pela simples opção se torna automaticamente uma rebelde, uma revolucionária contra uma das maiores expressões do poder médico instituído que é o parto hospitalar. O pressuposto que justifica esta atitude é a convicção de que o hospital é mais seguro do que o domicílio, como nos afirma Nachiel citado por England e Horowitz (1998, pg79) No mesmo artigo o autor cita um estudo realizado em 3.466 partos que ocorreram fora do hospital. Neste grupo ocorreram 134 perdas perinatais, quatro vezes mais perdas se comparadas ao hospital.. Em uma primeira leitura parece claro que o parto hospitalar oferece mais segurança. Porem destas 134 mortes, 97% dos partos estavam planejados para ocorrerem no hospital. As mortes perinatais dos partos planejados para ocorrerem no domicílio foram em taxas menores do que as dos hospitais.

Em outras palavras a segurança do parto em casa está ligada à seleção cuidadosa destas mulheres que apresentem uma gravidez ausente de risco obstétrico. A maioria das mortes perinatais ocorreram em mulheres que apresentavam problemas de saúde anteriores à gravidez ou problemas que se desenvolveram durante a gestação e que poderiam e deveriam ser identificados durante o pré-natal.

Ainda Nachiel citado por England e Horowitz (1998) escreve que a chave para o bom resultado no parto em casa é a triagem das mulheres de baixo risco, como ocorre no modelo holandês que apresenta excelentes resultados. Ainda segundo o autor, o profissional que assiste ao parto em casa é responsável por criar excelentes condições para o mesmo. É fundamental contar com uma infra estrutura no domicílio para as eventuais intervenções obstétricas que possam ser necessárias assim como transporte e equipe médica disponível em hospital de referencia caso seja necessário. Tudo isso deve ser pensado e organizado antes do inicio do parto. O profissional que assiste ao parto no domicilio deve ter por trás uma equipe disponível e ciente da sua função no caso das intercorrências intra parto que necessitem de intervenções.

Em uma publicação do Brighton Homebirth Support Group com o titulo: Porque escolher um parto em casa? (2) encontramos importantes contribuições sobre o assunto. Segundo o artigo, em gerações anteriores o parto em casa era a norma. e só mais recentemente passou a ser visto como algo perigoso e até mesmo irresponsável por parte dos pais. Mesmo com um histórico cultural de intervenções obstétricas, e a segurança tão divulgada do parto hospitalar, atualmente no mundo todo, gradualmente, o parto domiciliar está ganhando respeitabilidade entre profissionais e usuários. Apesar da maioria da população acreditar que o parto em casa é perigoso as estatísticas não confirmam este pressuposto e pelo contrário novas pesquisas já demonstram ser o parto em casa mais seguro que o parto hospitalar.

Um destes importantes estudos ocorreu na Grã Bretanha. O Bringhton Homebirth Support Group, citando estudo de Marjorie Tew (1990, p. 4) mostrou ter sido ela a primeira pesquisadora a modificar o pressuposto de que o parto hospitalar era o responsável pela diminuição nas mortes maternas e perinatais. Marjorie passou para seus alunos um exercício cujo objetivo era provar que o parto hospitalar era mais seguro, porém os resultados surpreenderam a todos. Tew analisou 1986 estatísticas referentes à mortalidade perinatal na Holanda que mostram uma taxa de 2.2 por 1.000 nos partos em casa comparados com 13.9 % nos hospitais. Mesmo levando em consideração o fato de que apenas as mulheres de baixo risco podem ter seu parto no domicilio à proporção continua bastante favorável ao parto em casa no que tange a segurança.

Também o Bringhton Homebirth Support Group, cita Campbell e Mac Farlane (1998, p. 4) que examinaram estatísticas e evidências e não encontraram dados que dessem suporte ao pressuposto de que é mais seguro para as mulheres terem seus filhos no hospital. Na verdade a análise do banco de dados do Oxford Perinatal Epidemiology Unit apontam para o fato de que para muitas mulheres é mais seguro parir em casa do que no hospital. A taxa de mortalidade perinatal, para as mulheres que fazem a opção pelo parto em casa e que não possuem nenhuma contra indicação, é extremamente baixa. Além do mais, continuam os autores, as mulheres que passaram pelas duas experiências de parto em casa e no hospital preferem parir no domicílio.

Bringhton Homebirth Support Group, cita Junor & Mônaco (1998, p. 5), quando apontam para o fato de ser muito improvável que as mortes ocorridas no domicílio pudessem ser evitadas mesmo com a tecnologia disponível no hospital. Estudo realizado na Holanda com 5.000 partos em casa aponta que nenhuma das fatalidades que ocorreram no grupo estudado poderiam ser evitadas com a hospitalização .

Também o Bringhton Homebirth Support Group cita que mais recentemente, em 1992, o House of Commons Select Committee on Maternity Services, conhecido como o relatório de Winterton, tocou no ponto crucial desta questão ao apresentar como primeira entre mais de cem recomendações e conclusões sobre gravidez parto e cuidados pós-natais, que

a política de incentivo ao parto hospitalar não pode ter como base as razões de segurança. [...] Não existe nenhuma evidência convincente de que os hospitais oferecem mais segurança para a maioria das mães e dos bebês. È possível, porem ainda não foi provado que ocorra o contrário.

Morison, Hauck, Percival, McMurray, (1998) em artigo publicado pela revista Midwifery citam vários estudos que apontaram para o fato de que a possível falta de segurança no parto em casa não possuí sua sustentação em evidências.

Moburg (1984), cita estudo realizado na Carolina do Norte com partos em casa atendidos por parteiras segundo o qual a taxa de mortalidade nos partos planejados para serem no domicílio foram de 6 por 1.000, enquanto que nos partos domiciliares que ocorreream sem planejamento a taxa foi de 120 por 1.000. A autora nos diz ainda que não existem diferenças estatísticas significativas entre as taxas de mortalidade para partos de baixo risco em casa ou no hospital. O lugar do parto não define o risco, o importante é o planejamento prévio e a pessoa que assiste ao parto. A autora ainda afirma que após seis anos de busca não encontrou um estudo consistente que mostrasse que o parto hospitalar é mais seguro que o parto em casa planejado.

Nesta dissertação venho defendendo a idéia de que o ambiente tem sim muita influência no desenvolver do parto, o que não foi apontado por estes autores. Esta minha posição tem por base os estudos de Michel Odent.

Segundo Odent (1984), durante as últimas duas décadas, muitos bebês têm nascido num ambiente tecnológico. Acredita-se que monitorando o coração fetal continuamente se pode intervir e salvar bebês que estejam correndo risco. Esta idéia faz com que a monitorização fetal seja entendida como um importante fator de segurança no parto. Esta convicção porém não teve suporte nas evidências científicas. O autor cita como um marco nesta mudança o artigo publicado em 12 de dezembro de 87 no jornal médico Lancet, em que comparava oito estudos que foram realizados na Austrália, Estados Unidos e Europa envolvendo dez mil partos. Nestes casos comparavam-se grupos de mulheres parindo com monitorização fetal e mulheres parindo com parteiras que ouviam intermitentemente o coração dos bebês. As conclusões finais são que estatisticamente o uso do monitor fetal só fez aumentar as taxas de cesárea e parto com a utilização do fórceps. Nenhuma outra diferença significativa pode ser mostrada entre estes dois grupos quando comparamos o numero de crianças que nasceram vivas ou com boa saúde. O autor então conclui que:

O tempo é chegado de considerarmos os efeitos que o meio ambiente exerce no processo do parto e no primeiro contato entre a mãe e o bebê. [...] Temos que começar a responder questões simples e nos prepararmos para uma era pós – eletrônica. Odent (1982, p. 67)

Ainda o autor nos fala que para todas as mulheres o primeiro fator de segurança é uma atmosfera que facilite os partos. Uma atmosfera que propicie a mulher atingir um outro estado de consciência. Questões simples podem nos dar a chave para compreendermos o parto de outra óptica. Que tipo de ambiente pode inibir o trabalho de parto? Que tipo de ambiente pode influir negativamente no primeiro contato entre a mãe e o bebê e a amamentação?

Em estudos realizados com outros mamíferos por Niles Newton citado por Odent (1982, p.42) na década de 60 fica claro que um ambiente estranho ou que a mudança de ambiente durante o parto é totalmente prejudicial. A parturiente precisa reconhecer o cheiro e o local onde está parindo e para que isso possa acontecer devem pertencer a sua vida diária. O autor está convencido que os achados de Newton são aplicados à espécie humana.

Não devemos ter vergonha de reconhecer que outros mamíferos podem nos ajudar a redescobrir algumas coisas que havíamos esquecido. E uma dessas coisas que esquecemos é a importância da privacidade para todo o processo do parto e nascimento Odent (1982, p. 43)

Fica então a questão de como oferecer um ambiente onde a mulher não se sinta observada. Como oferecer uma atmosfera de privacidade? Este é o desafio que devemos responder em nossa pratica cotidiana. É necessário analisarmos a questão da segurança pelos diferentes ângulos pelos quais perpassa. Do ponto de vista clinico da mãe e do bebê, ao emocional e familiar.

Durante minha pratica profissional percebo que minha principal função, no intuito de facilitar o parto normal, é transmitir segurança a esta parturiente. A segurança que surge a partir do estabelecimento do vínculo entre cliente e profissional e do cuidado prestado.

Estar ao lado e oferecer se necessário as tecnologias do cuidado conforme apontado por Medina (2003), incluindo aí as compressas fitoterápicas, exercícios, estimulação de pontos de acupuntura, palavras de conforto e estimulo para que ela possa compreender a linguagem do seu corpo fazem parte deste cuidado. As diferenças culturais apontam em primeiro lugar para a individualidade de cada mulher, e também as diferenças nos partos de uma mesma mulher.

Com o passar dos anos fui percebendo a importância do fator emocional para o desenvolvimento do processo do parto. O medo produz a adrenalina que bloqueia as reações fisiológicas do corpo, em contrapartida quando mais entregue à sua própria natureza, quanto mais ligada à natureza de uma maneira geral mais fácil se torna o transcurso do parto.

Acredito que a palavra cuidar reflita bem minha função na relação com as mulheres. Cuidar Para Morse (1998) é propiciar conforto. E conforto para ele deve ser o objetivo básico da enfermagem, e ainda o conforto como fator fundamental para a segurança do paciente.

Entendo por conforto um estado de bem estar da mulher. A utilização das compressas mornas com ervas que oferecem conforto à mulher em trabalho de parto são um bom exemplo. As compressas na região lombar e de baixo ventre, por provocarem o aumento da vascularização local e atuação de ervas mio-relaxantes produzem uma sensação de diminuição do estímulo doloroso das contrações. São faces do cuidado e conforto que fazem parte das necessidades básicas da mulher em trabalho de parto.

No domicílio temos a oportunidade de desenvolver o que Leininger (1995, p. 288) denomina de:

sistemas populares de saúde ou de bem-estar que são praticas de saúde nativas, locais ou tradicionais que possuem significados e usos especiais para curar ou ajudar e que geralmente são oferecidos nos domicílios ou em contextos comunitários.

A utilização, de diferentes técnicas de cuidado estão relacionadas com as raízes culturais do cuidador. Assim, no Acre encontraremos as parteiras fazendo massagens na região sacro-ilíaca com óleo de curuba para abrir os ossos da parturiente, em Iaueretê – AM no inicio do trabalho de parto o Kumu8 reza a parturiente, defuma sua casa e seu corpo com fumo, com o objetivo de proteção espiritual. São diferentes formas de cuidado que transmitem segurança e bem estar a partir de diferentes valores culturais.

1 Evento aqui compreendido como algo que pode ser controlado. Esta idéia é contrária ao fenômeno que é algo que acontece sem inferência externa ao indivíduo.

2 Disponível na homepage www.homebirth.org.uk. Grupo que oferece suporte as mulheres que desejam optar pelo parto em casa na Inglaterra. Entre as algumas da atividades que desenvolvem citamos a oferta de e indicações de profissionais consideração o fato de que apenas as mulheres de baixo risco podem ter seu parto no domicilio à proporção continua bastante favorável ao parto em casa no que tange a segurança.

Parto, Parto e SegurançaHeloisa Lessa