Fala Assembleia Legislativa sobre parteiras tradicionais

 
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SRA. HELOÍSA LESSA

Muito obrigada. É uma grande honra estar presente neste encontro. Agradeço, realmente, a iniciativa ao Presidente da Mesa e a todos os presentes. Com certeza é uma satisfação a Rede pela Humanização do Parto e Nascimento — REHUNA se fazer aqui representada. A REHUNA é uma ONG criada há 12 anos. Desde então batalha junto a outras entidades da sociedade civil e com o Ministério da Saúde em diversas atividades.

            É importante falarmos sobre a composição do campo obstétrico brasileiro atualmente. Temos 18 mil médicos ginecologistas e obstetras, 6 mil enfermeiras obstetras, como eu, todas com especialização na assistência ao parto, além de 60 mil parteiras tradicionais. É um número bastante significativo, principalmente se o compararmos com os de outros países. O Brasil ainda é um dos países com maior número de parteiras tradicionais, o que dá maior importância ao que estamos realizando hoje aqui.

            Há, ainda, as doulas, acompanhantes de parto que começam a surgir no Brasil de forma mais organizada.

            Sou técnica e quero falar um pouco sobre conceitos de parto em casa e parto em hospital. A diferença é que o Brasil vem se destacando, por meio de políticas governamentais, em meio a uma política de humanização, assistência e redução da mortalidade materna, bem como uma política de redução dos índices de cesariana, procedimento no qual ainda somos vice-campeões em nível internacional.

            Então, quero falar um pouco sobre o que uma mulher precisa para parir[p1] .

            Temos 2 partes no cérebro, uma é o neocórtex e a outra é o cérebro primitivo. Essas 2 partes trabalham de forma antagônica. O neo-cortex é responsável por tudo aquilo que é muito desenvolvido nos seres humanos como a linguagem, e o raciocínio. Para que o parto possa ocorrer, a mulher precisa liberar um coquetel de hormônios que tem origem a partir do comando do cérebro primitivo.  Esses hormônios, tão importantes , para o processo de parto e nascimento dependem das condições do ambiente para que sejam produzidos.

Quando falamos sobre o trabalho da parteira e do parto em casa estamos realmente falando sobre a possibilidade de que essa mulher tenha todo o processo do parto sem necessidade da intervenção médica. Voltamo-nos para o que chamamos de necessidades básicas para que esse corpo possa funcionar. Para que não precisemos utilizar o soro, a ocitocina, precisamos dos hormônios naturais e, portanto, precisamos dar algumas condições para que a mulher possa liberar esses hormônios.

            E aí falamos sobre a questão da segurança. Para essa mulher se sentir segura, surge a questão da privacidade. O ambiente do parto deve ser privativo. Dois dos principais hormônios — para vocês que não são técnicos — que a mulher precisa para parir são ocitocina e endorfina.

            A endorfina é aquele hormônio que produzimos quando corremos ou fazemos ginástica, o que nos dá uma sensação de prazer, um anestésico natural. Da ocitocina já ouvimos falar, é o hormônio que produz a contração.

            A mulher libera ocitocina em 3 momentos da vida. O primeiro é a hora do parto; o segundo é durante a amamentação, quando o bebê suga o mamilo; o terceiro é quando há qualquer evento da vida sexual. Então, quando olhamos para o parceiro e sentimos um frio na barriga, aquele momento é provocado por uma química que se chama ocitocina.

            Sou professora e sempre cito uma comparação aos alunos para conseguirmos entender a questão do parto: a primeira experiência sexual. O meu filho adolescente me pergunta como é que se beija, como se faz, enfim, se ele vai acertar. Digo a ele sempre que tudo dependerá das condições do ambiente em que o ato se consumará. Se for ambiente adequado, tudo ocorrerá de maneira muito tranqüila, até acharemos que já sabíamos como se faz.

O evento do parto é exatamente isso. Uma mulher que engravida pela primeira vez tem a sensação que deve saber tudo, porque não sabe de nada. Na verdade, o instinto está dentro da mulher. Precisamos apenas oferecer esse ambiente que favoreça o encontro da mulher com esse saber que lhe é inerente. E nisso as parteiras tradicionais são as mestras que, de alguma maneira, têm ensinado a todas nós como facilitar o processo do parto.

            Uma outra questão é a linguagem, seara em que a parteira também é muito boa, pois no ambiente hospitalar perguntamos a todo tempo quando rompeu a bolsa, o endereço da parturiente, enfim, tudo atrapalha e causa morosidade no processo de parto.

Quando falamos, por exemplo, sobre parto em casa, para um primeiro filho, falamos de uma média de 6 horas para trabalho de parto. Mas se falarmos sobre trabalho de parto no hospital para o primeiro filho o procedimento dura, em média, 12 horas. Portanto, estamos falando em redução da mortalidade materna e facilitação do processo do parto, por isso as parteiras tradicionais são tão importantes.

            Qual é a função de quem assiste o parto? O que a parteira tradicional, a enfermeira obstetra e o médico têm em comum? Qual é nossa função principal? Oferecer ambiente propício à mulher para entrar em contato com esses instintos, que são os mesmos instintos dos animais — da gata, da cadela, enfim, de todos os animais. Não é porque pensamos que não seremos capazes de parir. Todos os mamíferos são capazes. Por que não vamos ser?

            Além disso, devemos tornar o parto mais seguro, fácil e com menos dor, claro.

            A idéia fundamental, quando se fala em novo paradigma de assistência, é realmente unir a tecnologia ao cuidado. Devemos unir um pré-natal de qualidade à utilização dos exames complementares, que são fundamentais. A parteira, hoje em dia, pode contar com isso. Ela sabe que um bebê que não está na posição correta terá um parto difícil. Esse procedimento deve ser encaminhado ao hospital. Ao mesmo tempo, sabemos que no Brasil vivemos uma contradição, pois aquela mulher que mora na Amazônia e precisa de cesariana [p2] é exatamente a que não tem acesso a esse tipo de procedimento médico.

            Eu trabalho com parto em casa, no Rio de Janeiro, e podemos observar que começamos a mesclar esses conhecimentos. Temos a rede, bastante utilizada pelas parteiras tradicionais; um banquinho à direita, do tipo holandês e com desenhos de outros países; um outro banquinho utilizado pelas índias. A idéia é sempre tentarmos reunir conhecimentos.

            Quando unimos esses conhecimentos e saberes, apresentamo-nos às parturientes como enfermeira-parteira. O conceito de enfermeira obstetra envolve apenas o conhecimento científico, mas o complemento, na verdade, seria a junção dos saberes.

            Essa é uma foto de um hospital, uma maternidade no Rio de Janeiro, onde trabalhamos em um ambiente diferenciado para que realmente possamos facilitar à mulher o processo do parto natural.

            Apenas mais fotos. Uma delas retrata uma parteira fazendo parto em casa com a utilização da mesma tecnologia: a rede. A outra foto apresenta as parteiras tradicionais e o resgate do parto como evento fisiológico.

Lutamos pela tentativa de oferecer à mulher a escolha do local onde dar à luz: no hospital, em casa ou em um centro de parto normal.

           

            Vamos falar, realmente, da qualidade, do prazer e da alegria que essas mulheres têm após um trabalho de parto, quando falamos em parto normal ou parto humanizado.

            Sem dúvida, a REHUNA quer reafirmar seu total apoio e incentivo ao trabalho das parteiras tradicionais e, nesse sentido, apoia o projeto de lei de autoria da Deputada Janete Capiberibe, que sem dúvida representa grande avanço.

            Quero distribuir a todos cópia de matéria publicada em 24 de maio do corrente ano no jornal inglês Independent. O texto da matéria começa da seguinte forma: “Revolução no nascimento. Mais mulheres devem dar à luz em casa, não nos hospitais, diz Secretário de Saúde britânico”.

            Acho importante que tenhamos consciência de que esse movimento em discussão nesta Casa faz parte de um movimento maior, internacional. O que estamos fazendo no Brasil está se refletindo na América Latina, principalmente.

            A REHUNA, em parceria com o Ministério, realizou em novembro no Rio de Janeiro a maior conferência mundial sobre a humanização do parto e nascimento, com participação de 17 países, num total de 2.136 pessoas.

            Acho muito significativo esse trabalho para mostrar o quanto já caminhamos e o quanto ainda devemos caminhar no sentido da melhoria da qualidade na assistência ao parto.

            Muito obrigada.

 

Antropologia do PartoHeloisa Lessa